Um livro pode conter vários significados. Cada pessoa é única e cada olhar é único para uma obra. Isso explica como o livro favorito do José é o que João mais odiou ler na vida, ou o livro que marcou a vida de Maria, Joana sequer conseguiu terminar de ler.
Com esses argumentos em mente, apresento-lhes “O apanhador no campo de centeio”.
Lançado em 1951, esta obra é considerada um dos livros mais impactantes da literatura americana do século XX.
Até um tempo atrás, confesso, não conhecia a obra. Já tinha ouvido falar, mas não liguei o objeto ao fato. Porém, uma amiga da faculdade me indicou com tanto afinco que fiquei curiosa.
O livro conta a história de Holden Caulfield. Bem, não conta uma história em si. É mais um relato de seus dias em “liberdade” logo depois que ele é expulso da escola por ter um baixo rendimento. Ele quer aproveitar esses dias enquanto a carta que a escola mandou para seus pais não chega.
Holden é a figura do “adolescente em crise”. Ele tem 16 anos de idade e uma perspectiva de vida realmente deprimente. Nascido em uma família rica, com alguns problemas emocionais por conta da morte de seu irmão caçula, ele teria tudo para ser um típico adolescente superficial, mas NADA agrada Holden. Ele passa os dias maldizendo a vida, as pessoas, suas lembranças, mas de uma maneira realmente cômica para o leitor.
Confesso que ao ampliar minha própria perspectiva, percebi que não era apenas um super pessimismo. Era mais. Era ultra realismo.
Pessoas falsas, pessoas superficiais, pessoas cretinas... Holden Caulfield as aponta com uma revolta digna de nota. Claro que ele também vê pessoas boas, e é legal constatar que nem todos são cretinos (ele adora esse termo).
Com a narrativa em 1° pessoa e cheia de expressões coloquias, como gírias (dos anos 50, não esqueçam) e uma leitura de fácil entendimento.
O livro é cheio de confusão e rebeldia com um teor angustiante. Se existisse o gênero "tragi-cômico", "O apanhador no campo de centeio" certamente corresponderia à esse quesito.
E interessante: Holden tem plena consciência que suas atitudes são erradas, mas não faz questão nenhuma de mudar. Ao ser confrontado por sua irmã sobre o que quer ser “assim como cientista, ou advogado, ou coisa parecida”, Holden diz que quer ser um apanhador.
"Fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto - quer dizer, ninguém grande - a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o que tenho que fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar para onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas seria a única coisa que eu queria fazer. Sei que é maluquice...."
Um artigo no site da Abril diz que Holden Caulfield é a “personificação dos jovens da geração do pós-guerra à procura de uma identidade”. Pelo sim ou pelo não, o livro alcançou grande sucesso em sua época de lançamento, vendendo mais de 15 milhões de exemplares em apenas poucas semanas.
Porém, o autor J. D. Salinger, mesmo aclamado, não reagiu ao sucesso da forma que se espera. Ele se tornou um eremita até o fim de seus dias. Morreu em 2010, ainda isolado, em sua casa em New Hampshire.
E as curiosidades sobre o livro “O apanhador no campo de centeio” vão além da reclusão de seu autor. O livro foi censurado em diversos países do mundo por causa de “palavreado chulo, incitação à prostituição e à rebeldia”. Desnecessário? Vejamos: especialistas afirmam que o livro “seria uma espécie de gatilho para assassinatos”.
Em 1980, Mark David Chapman assassinou o eterno beatle John Lennon. Ele foi encontrado com um exemplar de “O apanhador no campo de centeio”, e afirmou que o personagem do livro o inspirou a cometer o crime. “Grande parte de mim é Holden Caulfield. Outra parte deve ser o demônio”, ele afirmou à polícia.
Nem preciso comentar o quão frenéticas ficaram as vendas do livro depois do acorrido. As pessoas queriam saber o que tinha naquele livro que poderia inspirar um assassinato. Natural. Tive a mesma curiosidade a respeito de “Os sofrimentos do Jovem Werther”, livro que levou uma grande onda de suicídio na Alemanha no século XVIII, mas isso talvez fique para outra resenha.
O presidente Ronald Reagan sofreu uma tentativa de homicídio, em 1981, e a atriz Rebecca Schaeffer foi assassinada, em 1989. Ambos os crimes, de acordo com os acusados, foram inspirados pelo livro de J. D. Salinger.
É no mínimo curioso que este livro esteja intrinsecamente ligado à atos violentos. Não consegui localizar em momento nenhum apologia à qualquer tipo de crime em seu enredo.
Claro que o autor não pregou a paz mundial, mas aí acusar o livro de “gatilho para assassinos” já é exagero. Não se pode generalizar. Aquela questão da subjetividade faz muito sentido aqui.
Holden Caulfield é claramente revoltado com o mundo a sua volta mas, acreditem, ele não mata ninguém.
As teorias de conspiração sobre “O apanhador no campo de centeio” são muitas. Li vários artigos interessantes a respeito do livro (fiquei tensa com alguns, inclusive), e não posso deixar de olhá-lo com olhos mais respeitosos depois de saber mais sobre ele.
Diversos autores contemporâneos, de diversos gêneros, o citam em seus livros. No começo do ano, encontrei seu título em dois livros: “The Indigo Spell”, de Richelle Mead e “O Teorema Katherine”, de John Green.
Holden Caulfield é um personagem amado, apesar de suas revoltas juvenis e seu mau humor sem fim e “O apanhador no campo de centeio” é um livro com uma bagagem, no mínimo, interessante.
Vai encarar?
PS: Agradeço muito à Flavia Fatale por ter me emprestado seu livro favorito (e ainda espero que ela não mate ninguém. Ê!) e a Morgana Amaral por sua empolgação.
Fontes citadas acima aqui e aqui.
Sobre teorias da conspiração. (Não se assustem, o site é... estranho.)